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STJ consolida direitos do ex-cônjuge na condição de quotista anômalo em sociedades limitadas

11 Dezembro 2025

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.223.719/SP, em 3 de setembro de 2025, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, trouxe importante entendimento acerca dos direitos patrimoniais de ex-cônjuge não sócio, designado quotista anômalo, ocasião em que quotas sociais são adquiridas na constância de casamento ou união estável submetido a regime de comunhão de bens.

O caso analisado envolveu ação de dissolução parcial de sociedade limitada para apuração de haveres, em que o ex-cônjuge não-sócio reivindicava o direito à meação das quotas adquiridas durante o casamento em regime de comunhão parcial de bens, bem como aos lucros distribuídos após a separação de fato.

O julgamento definiu duas questões centrais: primeiro, delimitou o direito do ex cônjuge meeiro aos lucros, dividendos e demais frutos distribuídos após a separação de fato, fixando o período de incidência desse direito desde a data da separação de fato até a efetiva apuração e pagamento dos haveres no âmbito do divórcio; segundo, no contexto da apuração de haveres decorrente da partilha de quotas em razão da dissolução do vínculo conjugal de sócio, determinou a aplicação do balanço de determinação, previsto no artigo 606 do Código de Processo Civil, como critério legal obrigatório para avaliação das participações societárias que compõe o patrimônio comum do casal, na omissão do estatuto ou contrato social quanto ao método de avaliação.

A Posição Jurídica Peculiar do Quotista Anômalo

De acordo com o acórdão, quando quotas são adquiridas durante o casamento em regime de comunhão de bens, essas integram o patrimônio comum do casal. A separação de fato encerra o regime de bens e estabelece condomínio sobre as quotas, disciplinado pelo artigo 1.319 do Código Civil. A decretação da partilha em sentença de divórcio formaliza a condição de quotista anômalo, mas não modifica o período de incidência do direito aos frutos.

O acórdão, ainda, destaca que, no caso sob análise, o ex-cônjuge não ingressa formalmente na sociedade, mantendo-se preservado o caráter intuitu personae das sociedades limitadas. Contudo, assume o ex-cônjuge uma posição jurídica singular: a de quotista anômalo.

Conforme fixou o Tribunal, instaura-se entre os cônjuges uma espécie de “subsociedade”, caracterizando situação jurídica similar à de condomínio sobre os direitos patrimoniais das quotas de capital social do sócio original.

Direito aos Frutos: Lucros e Dividendos Pós-Separação de Fato

A Corte reconheceu expressamente que o ex-cônjuge tem direito à meação dos dividendos distribuídos correspondentes às quotas comuns desde a data da separação de fato até a apuração efetiva dos haveres e pagamento da expressão econômica das participações, na mesma proporção em que recebeu a meação, conforme definido na partilha de bens do divórcio.

Aplica-se ao caso a regra contida no artigo 1.319 do Código Civil, segundo a qual cada condômino responde ao outro pelos frutos que percebeu da coisa. Interpretando este dispositivo em conjunto com a parte final do artigo 1.027 do Código Civil, que garante ao meeiro o direito de participar da divisão dos lucros até a liquidação, conclui-se que sendo os dividendos frutos da participação societária comum, tais frutos também são comuns.

O Tribunal observou que o condomínio das participações societárias somente se extingue com a liquidação econômica da meação. Durante esse período, a negativa dos frutos ao meeiro configuraria violação ao regime de condomínio e distorção do equilíbrio patrimonial imposto pela comunhão de bens. Sem esta proteção, o cônjuge meeiro ficaria impossibilitado de receber os proveitos econômicos das quotas, permanecendo o cônjuge sócio em gozo exclusivo dos benefícios econômicos de bem que é parcialmente seu, com risco de não repassar ao meeiro a meação dos frutos recebidos.

O acórdão ressalva que a exclusão do ex-cônjuge do recebimento de lucros configuraria enriquecimento sem causa do cônjuge sócio, em violação ao artigo 884 do Código Civil. Este raciocínio aplica-se especialmente em contextos em que o intervalo entre a separação de fato e o efetivo pagamento dos haveres é considerável, como ocorria no caso sob julgamento, em que mais de sete anos separavam estes dois eventos.

O acordão ainda dispôs que, diante da inexistência de outro procedimento mais adequado à avaliação das participações societárias para fins de partilha, é possível que o ex-cônjuge maneje a ação de dissolução parcial para apurar os haveres do cônjuge sócio e, por sua vez, a correspondente meação. A apuração dos haveres ocorre sem a liquidação ou extinção da sociedade, sendo a pessoa jurídica responsável pelo pagamento do valor apurado ao quotista anômalo.

Método de Apuração de Haveres: Balanço de Determinação

Quanto à metodologia para avaliação das participações societárias, o STJ reafirmou que, na omissão do contrato social, o único critério aplicável para apuração do valor das quotas de sociedade limitada que compõe o patrimônio comum do casal é o balanço de determinação, conforme prescrito no artigo 606 do Código de Processo Civil.

O balanço de determinação avalia bens e direitos tangíveis e intangíveis identificáveis a preço de saída, na data da resolução. Esse método busca refletir a situação patrimonial efetiva da empresa no momento específico da apuração, considerando tanto os ativos identificáveis quanto os passivos que integram o patrimônio da sociedade, servindo de base para a definição do montante devido ao ex cônjuge não sócio.

Conclusão e Impactos

Embora o caso analisado envolva uma sociedade limitada, as diretrizes firmadas pelo STJ possuem alcance que pode transcender esse tipo societário. O precedente estabelece parâmetros que podem orientar a solução de controvérsias relativas a participações societárias adquiridas na constância da comunhão, inclusive quando se tratar de ações de sociedades anônimas, desde que tais participações estejam sujeitas à partilha.

Isso porque a lógica jurídica aplicada pelo Tribunal — centrada na natureza comunicável do investimento societário, na incidência do regime de bens e no direito do ex-cônjuge aos frutos civis até a efetiva apuração de haveres — não depende da forma societária específica, mas da titularidade e da comunicabilidade patrimonial da participação. Trata-se, portanto, de orientação relevante para qualquer estrutura que envolva participações societárias.

Considerando a realidade brasileira — em que a ocorrência de situações capazes de gerar cotistas anômalos é estatisticamente significativa — o julgado reforça a necessidade de que, na constituição de sociedades e na formatação de operações societárias, transações e reorganizações empresariais, sejam previstos mecanismos para endereçar eventuais reivindicações formuladas por cônjuges ou ex-cônjuges de sócios ou acionistas.

Assim, a integração entre o Direito de Família e o Direito Societário mostra-se indispensável para a estruturação de operações e para a organização de relações societárias seguras, como evidencia o acórdão mencionado.

 

 

Escrito por: João Paulo Procópio Piedade, Eric Souza, Arthur Mansur e Wellington Lubianchi.

 

 

Referências bibliográficas: 

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: L10406compilada.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: L13105.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.223.719/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, j. 02 set. 2025. Disponível em: STJ_202402267372_tipo_integra_333395829.pdf.

 

 

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